A desconstrução do machismo na criação

Por ser mãe de três meninos, jornalista, blogueira e mulher, me sinto necessitada de conversar sobre machismo e desconstrução na criação. É mais óbvio que eu tente criar homens melhores e conscientes do que esperar que um passe de mágica liberte nós mulheres, um dia. E com certeza a luta é muito mais complexa do que isso.
O assunto é ‘chover no molhado’ sim, e eu sinto que mesmo que haja um tsunami de artigos, informações e exposições sobre isso ainda teremos um vale inteiro para cobrir.
É NECESSÁRIO E URGENTE EDUCAR MENINOS E MENINAS SEM SEXISMO, MISOGINIA, MACHISMO E HOMOFOBIA.
Sim, em caixa alta. Temos que gritar diariamente isso ao mundo. Meu texto fala sobre meninos, mas creio que por conta da minha experiência com meus filhos.
Vamos cair na real. Vivemos num país onde uma mulher é estuprada a cada 11 minutos, o país mais perigoso da América do Sul para ser menina, com a quinta maior taxa de feminicídios do mundo, 5 espacamentos a cada 2 minutos, num mundo onde mulheres chegam a ganhar 25,6% menos que homens, somente por serem mulheres. Vamos mudar essa bagaça de uma vez por todas. (quer saber de onde tirei isso? Vá nos links do fim do post)
Aqui em casa eu tento e tentarei diariamente oferecer uma criação livre de machismo para meus três meninos. Tentarei, porquê não depende somente de mim, visto que o exemplo social é fortíssimo, e também não penso que consigo moldar meus filhos, mas assim ensinarei a conviverem em sociedade como pessoas pensantes. Há esperança para eles.
Não há uma matemática fechada para qualquer que seja a linha de educação e criação. Mas há pontos que dá pra explorar, sabe?
E eu reuni alguns que já são realidade dentro da minha casa, aqui:
⦁ A casa é de todos. Fazer com que meninos participem da rotina de serviços domésticos já algo que eu tenho visto com mais frequência nas famílias que conheço. Mas ainda há muita discrepância na cobrança da participação e no tipo de abordagem.
Ainda vemos brinquedos que treinam meninas para serem donas de casa. Exato, um infinidade de apetrechos cor de rosa destinado para meninas, com modelos meninas nas embalagens e alguns com publicidade do estilo “faça igual à mamãe”.
Se você partir do princípio de que todos sujam a casa, todos comem, usam roupas e dormem nas camas, é algo muito sensato esperar que todos colaborem para a manutenção dos serviços domésticos que envolvem essas necessidades. Então a casa é de todos, e crianças adoram brincar de serem donos da própria casa.
Henrique ama cozinhar. Ganhou panelas, um liquidificador e comidinhas no natal passado. Os dois maiores fazem muita farra brincando com vassourinhas e rodos de madeira, brincam de lavar a louça e até montamos uma lava-roupas de papelão. A rotina de cuidar da própria bagunça (quando não rola preguiça, claro), lavar a própria cueca no chuveiro, ajudar a limpar e organizar a casa já é algo natural aqui. E sim, desconstrói a imagem de mulher = do lar. Acredito que quando (e se) estiverem num relacionamento, eles saberão que vão conviver com a pessoa e não esperar que os sirvam.
⦁ Rosa e azul são pigmentos, não referências sexuais. O sexismo nas cores limita o mundo de uma criança. Criança é criança, gente. Infância tem que ser colorida. Essa coisa de ‘isso é de menino’, ‘isso é de menina’ não se aplica somente aos brinquedos. Temos que parar de sexualizar crianças desde as cores até a extrema feminilização ou piadas de namoricos infantis. Apenas parem.
⦁ Paternidade e bonecas. Meus filhos brincam com bonecas. Não creio que isso tenha a mínima relação com a orientação sexual deles. Mulheres são ensinadas a serem mães desde a mais tenra idade (ensinadas, pois ser mãe não é dom natural de toda mulher, mas isso é tema pra outro texto) e porque homens não podem ser familiarizados com a paternidade desde meninos?
O pai dos meus filhos construiu uma paternidade ativa muito pessoal e em constante renovação. Não era algo natural para a realidade dele, foi algo construído. E isso também influencia na criação dos nossos meninos. Eles vêem o cuidado do pai, a divisão das responsabilidades e a presença. Exemplo é o maior ensinador de atitudes que existe.
⦁ Respeito pelas mulheres e meninas. Acredito que ensinar respeito as pessoas, independente de qualquer coisa já seja algo fundamental em qualquer viés de educação existente. Mas é preciso ensinar meninos a respeitar meninas. Vamos deletar essa crença ridícula de que praticar bullying, brincadeiras violentas e maldade com meninas é só zoação, ou pior, atribuir tal comportamento à interesse amoroso. Violência não é amor, não é brincadeira.
Nesse tópico cabe algo indispensável. Ensine seu menino sobre consentimento. Cada pessoa deve ter o direito sobre o próprio corpo na face dessa Terra. O não deve ser entendido como não. Estenda esse ensinamento desde brincadeiras físicas, piadas, demonstrações de afeto e, quando for o momento, ao sexo.
⦁ A lenda do macho alfa. Desde muito novos, meninos são expostos à um padrão de masculinidade extremamente violento e opressor. Lhes é ensinado que homem não chora, não sente, não é delicado, sensível, é pegador, competitivo e ‘ogro’. Junto disso eles aprendem a rejeitar veemente tudo o que se assemelhar com o comportamento feminino, assim não ‘pega mal’ e não são ‘mulherzinhas’ (e uma série de outros adjetivos absurdos). Essa fórmula cria o “Macho”, e de quebra o machista, o misógino, o homofóbico…
A lenda do macho alfa faz com que meninos sigam esse modelo machista a fim de serem “homens dominantes” e é por isso que estamos aqui nesse texto. Todo sistema precisa de uma manutenção para se manter, não seria diferente com o patriarcal, e por isso há uma necessidade de manter os dois pólos. A dominação para eles, a passividade para elas.
Vamos pensar juntos, se ensinamos que ser homem é rejeitar e ridicularizar tudo o que se assemelha com as ações de uma mulher, a não ser para fins sexuais, por que esperaríamos que um menino entendesse que homens e mulheres merecem respeito na mesma proporção?
Ainda nessa reflexão, se ensinamos esse menino a bloquear tudo o que é emocional, delicado, e incentivamos um comportamento violento, porque achamos que serão pessoas sensatas que terão relacionamentos saudáveis?
Vamos problematizar as frases prontas e ‘ensinamentos’ de praxe que distribuem para os nossos meninos? “Seja homem”, “homem não chora”, “Meninos são assim mesmo”, “Bata de volta”, “Prendam suas cabras, meu bode está solto”, “Meninos não são amigos de meninas”, “É sua namoradinha?”, “Seja mais agressivo”, “Não seja filhinho da mamãe”, “Bate que nem homem”, “Corre que nem homem”, “Joga que nem homem”, “Não leve desaforo para casa”, “Não seja mulherzinha!”.
Existe um documentário, disponível no Netflix, que explica melhor esse assunto. Chama-se The Mask You Live In. Vou deixar o trailer abaixo para quem se interessar.
https://www.youtube.com/watch?v=LS8bwOesLjA
E eu termino o texto com uma reflexão que o próprio documentário me trouxe: quando olhamos para nossos filhos, inocentes, carinhosos e livres dos moldes, o que nós gostaríamos que eles não perdessem ao crescer?

Links com dados sobre machismo no Brasil:
http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,uma-mulher-e-violentada-a-cada-11-minutos-no-pais,10000053690
https://nacoesunidas.org/onu-feminicidio-brasil-quinto-maior-mundo-diretrizes-nacionais-buscam-solucao/
http://oglobo.globo.com/sociedade/brasil-o-pior-pais-da-america-do-sul-para-ser-menina-diz-relatorio-20270607
http://economia.estadao.com.br/noticias/sua-carreira,diferenca-salarial-entre-homens-e-mulheres-sobe-conforme-escolaridade,1841086
http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf

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